Na última quarta-feira (13), o Coletivo Nacional de Relações do Trabalho, da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), realizou um debate sobre o fim da escala 6x1, com a participação dos deputados Reginaldo Lopes (PT-MG) e Erika Kokay (PT-DF), além de análise de conjuntura do ex-ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, e do analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Neuriberg Dias.
O assunto da jornada de trabalho voltou a ser impulsionado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC), da deputada Érika Hilton (PSOL-PT), para reduzir de 44h para 36h a jornada semanal, numa escala de 4x3. Até a última sexta-feira (15), a PEC já estava com 250 assinaturas, ou seja, 79 a mais do que o mínimo necessário para tramitar na Câmara.
"Nós que acompanhamos de perto, há anos, na Câmara pautas de interesse à classe trabalhadora, ficamos admirados com o impacto que essa PEC está tendo em toda a sociedade neste momento, apesar de ser uma pauta histórica da CUT e de não ser a primeira vez que surge no Congresso", explicou Jeferson Meira, o Jefão, secretário de Relações do Trabalho e responsável da Contraf-CUT pelo acompanhamento da tramitação de pautas de interesse dos trabalhadores no Congresso Nacional. “Diante disso, temos a oportunidade de não deixar morrer esse debate, na busca por essa mudança”, completou Jefão, que coordenou a reunião do Coletivo Nacional de relações do Trabalho.
O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) é autor da PEC 221, que também aborda a redução da jornada semanal no Brasil, mas apresentada em 2019. "Na época, tivemos repercussão do tema e, rapidamente, assinaturas suficientes para protocolar a matéria na Câmara dos Deputados", relembrou o parlamentar. Atualmente, o PEC 221 está na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
"Ao longo desses dias, estamos nos reunindo com a deputada Hilton para traçar um plano e um roteiro de trabalho juntos. No caso da nossa PEC (do PT), efendemos um período de transição para que os setores se adequem e trabalhamos com duas vertentes: que a maior carga horária seja de 36h semanais e, que a escala máxima seja 5x2 e não mais 6x1", explicou.
Ricardo Berzoini destacou que, quando foi ministro do Trabalho, entre 2004 e 2005, levou o debate da redução da jornada para a Organização Internacional do Trabalho (OIT). "Propus, na época, ao então diretor-geral que fizéssemos um debate mundial sobre a jornada, mas conseguimos promover um seminário. Desde então, já enfrentávamos uma resistência à redução de horas de trabalho, argumentos frágeis, que temos que combater, como, por exemplo, de que poderia prejudicar a competitividade do Brasil e tornar o país menos vantajoso para investimentos", contou. Para o ex-ministro, com a retomada da pauta hoje, a esquerda do campo popular tem, mais uma vez, a oportunidade de "entrar em disputa direta com a direita mais tosca e liberal", revelando à sociedade as falhas de argumentos do outro lado.
Entre os representantes dessa "direita mais tosca e liberal" temos Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, entidade responsável por manter as taxas de juros altas no Brasil, em prejuízo ao crescimento econômico e geração de emprego. Na última semana, ele se posicionou afirmando que a redução da jornada poderia gerar desemprego e salários menores.
Mas, essas afirmações não possuem base histórica, como revela o artigo "Os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48h para 44h semanais em 1988", produzido pelos pesquisadores Gustavo M. Gonzaga e José Márcio Camargo, do Departamento de Economia da PUC-Rio, e Naércio Aquino Menezes Filho, do Instituto de Pesquisas Econômicas (IPE) da USP.
Segundo eles, no curto prazo de 12 meses, pós Constituição Federal de 1988, "a redução da jornada não teve efeitos negativos sobre o emprego", além disso, a mudança não aumentou a probabilidade de os trabalhadores ficarem desempregados e resultou em aumento salarial real.
A parlamentar Erika Kokay (PT-DF), que também esteve no encontro do coletivo, acrescentou que os colegas da área progressista estão trabalhando para que o debate da jornada siga avançando no Congresso e para que “seja amarrado com uma legislação que garanta os direitos trabalhistas” já alcançados.
"Podemos estar frente a uma oportunidade para também rever pontos da Reforma Trabalhista (de 2017) que facilitaram a terceirização, a pejotização e a uberização", observou. "Quando falamos de jornada estamos falando de domínio dos corpos que chega a escalas muito intensas na dinâmica capitalista. O trabalhador, para garantir sustento, é obrigado a ocupar grande parte do seu tempo de vida no trabalho, e isso inclui o tempo nos transportes. Então, a redução da jornada é fundamental, para criarmos parâmetros de enfrentamento a esse cenário", concluiu.
IA e crise ambiental impõe redução da jornada
Estudo divulgado neste ano pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou que a Inteligência Artificial (IA) irá afetar 40% dos empregos em todo o mundo e, com isso, reduzir vagas de emprego em diversos setores. Uma avaliação mais recente, do especialista em tecnologia disruptiva e investidor de grandes empresas, como Amazon e Google, Vinod Khosla, é de que a IA irá substituir 80% dos empregos nas próximas décadas.
Paralelo a esse fator, a crise climática está exigindo dos governos mudanças rápidas para conter os desastres ambientais e uma das alternativas estudadas é a redução das jornadas de trabalho. Análise da Universidade Amherst de Massachusetts, nos EUA, divulgada em 2020, pela BBC, aponta que 10% menos tempo trabalhando pode reduzir em 14,6% na emissão de carbono por pessoa, e isso "em grade parte devido à diminuição dos descolamentos diários e do consumo de alimentos processados nos intervalos", explica o artigo.
Esses dois temas estão entre os elementos abordados pelo movimento sindical no Brasil para reforçar o debate pelo fim da escala 6x1. "É sintomático a proporção que esse debate tomou nos últimos dias, confirmando que a jornada de trabalho de 44 horas semanais é considerada excessiva para grande parcela da população. O Brasil está entre os países com a jornada mais extensa", destacou a Presidenta da Contraf-CUT e vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Juvandia Moreira. "Isso resulta em uma série de dificuldades para a população, na questão de distribuição de tempo entre trabalho e não trabalho, na qualidade de vida e nas relações interpessoais com a família", observou. De fato, o Brasil está entre os países com a jornada de trabalho maior, perdendo para poucas nações de desenvolvimento semelhante, como Índia (46,7) e China (46,1). A média europeia é 37 horas.
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Vivian Machado, aponta que esse dado revela a “relação entre poder aquisitivo e jornada”, ou seja, quanto maior o poder aquisitivo da população, menor a jornada de trabalho”, pontuou. “Mas é preciso cuidado para não pensar que, somente porque o Brasil não alcançou o desenvolvimento econômico de países europeus, nós não podemos reduzir a jornada. Nos países europeus os direitos trabalhistas e sociais são mais fortes. A análise que podemos fazer, portanto, é que a menor desigualdade entre o capital e o trabalho é o que tem proporcionado ali o crescimento econômico com ganhos sociais para todos”.
A categoria bancária, conquistou, em 1957, a jornada diária de 6h e semanal de 5x2 (cinco dias trabalhados e dois dias de descanso). “Desde então, a jornada dos bancários foi atacada de diversas maneiras, nas mesas de negociações e no Congresso Nacional, mas resistimos com muita luta”, lembrou Jeferson Meira. “Agora, diante dos ganhos produtivos permitidos pelos avanços tecnológicos, com redução da geração de postos de trabalho, temos levado às mesas de negociação a reivindicação pela escala 4x3", disse Jefão, ao completar, com base em estudo do Dieese, que a implementação da jornada de quatro dias, entre os bancários que hoje realizam a jornada média de 37 horas semanais, teria o potencial de criar mais de 108 mil vagas no setor, ou 25% do total de vagas que existem atualmente.
Fonte: CONTRAF