O segundo módulo do Curso de Formação sobre Reforma Tributária, realizado na terça-feira (6), expandiu o debate sobre o tema para as propostas em tramitação no Congresso Nacional e incitou os dirigentes sindicais a fazer chegar às suas bases e para toda a sociedade o conhecimento sobre as propostas alternativas, que visam promover alterações que possibilitem a manutenção dos serviços públicos, com a redução de tributos cobrados dos mais pobres e a transformação da tributação sobre a renda e riqueza em principal fonte de arrecadação.
“Existe uma grande diferença entre a reforma ideal e a proposta que tem possibilidades de ser aprovada, devido à correlação de forças que temos no Congresso. Mas, o movimento sindical não pode se ater a isso”, disse a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, que também é vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Precisamos colocar na rua a proposta que defendemos. E, como o tema é complexo, temos que encontrar formas de deixá-lo mais compreensivo, para que as pessoas possam entender e defender uma reforma com justiça fiscal e que permita a distribuição de renda”, completou.
“Lula ganhou a eleição, mas a esquerda não. Temos que levar em consideração que tudo o que tem que passar pelo Congresso precisa levar em consideração a correlação de forças que temos lá. Mas, também não podemos deixar de considerar a correlação de forças sociais”, observou o ex-deputado e ex-ministro Ricardo Berzoini.
“O sistema tributário está no dia a dia de todo brasileiro. Interfere no preço do combustível do nosso carro, da escola dos nossos filhos, da comida que vai pra nossa mesa e na porcentagem do nosso salário que efetivamente vai para nossas mãos pra que a gente possa pagar nossos boletos”, disse o secretário de Formação da Contraf-CUT, Rafael Zanon. “Por isso, trouxemos pessoas extremamente capacitadas para explicar o que está em jogo na reforma tributária e nos ajudar a levar esse debate para nossas bases”, completou.
Além do ex-deputado e ex-ministro e da presidenta e do secretário de Formação da Contraf-CUT, o economista e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do Brasil, Guilherme Mello, o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Gustavo Cavarzan, e a auditora fiscal e vice-presidenta do Instituto Justiça Fiscal (IJF), Maria Regina Paiva Duarte contribuíram com os debates.
Novo regime fiscal
O economista Gustavo Cavarzan apresentou aos participantes um panorama geral do novo regime fiscal aprovado pela Câmara dos Deputados e que ainda tramitará no Senado e deve substituir o antigo “teto de gastos”, em vigência desde 2017, estabelece limites para despesas e investimentos públicos por 20 anos. “Com o teto de gastos, as despesas do governo precisam ser as mesmas de 2016, corrigidas apenas pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Ou seja, durante 20 anos, não pode haver aumento real nas despesas e investimentos do governo, mesmo havendo crescimento do PIB [Produto Interno Bruto], da arrecadação ou crescimento populacional”, explicou. “O novo regime fiscal substitui essa regra. Não acaba com o teto de gastos, mas amplia o teto e estabelece novos parâmetros para a evolução das despesas do governo”, completou.
Gustavo também explicou que o novo regime fiscal, apesar de não fazer parte da reforma tributária em si, está totalmente relacionado a ela, pois estabelece as normas para que o governo possa gastar o que for arrecadado pelo sistema tributário.
Para o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, o governo brasileiro não está propondo nada revolucionário. “Estamos apenas nos colocando mais em linha com o que existe no resto do mundo. E, não podemos deixar de dizer, este novo regime fiscal está sendo estabelecido em um parlamento onde o governo não tem maioria”, disse.
Mello ressaltou que o atual governo assumiu o país em uma situação muito delicada, não apenas do ponto de vista político e econômico, mas também do ponto de vista fiscal. “Não tínhamos dinheiro pra nada. Era necessário refazer o orçamento para 2023 e tínhamos que tirar as amarras do teto de gastos”, que, segundo o economista, não tem paralelo na literatura econômica mundial.
“Pela primeira vez na história, um governo teve que aprovar uma PEC antes de assumir a gestão. E foi graças à aprovação da PEC de Transição que pudemos fazer muita coisa”, disse.
Propostas
A auditora fiscal Maria Regina Paiva Duarte, vice-presidenta do IJF, iniciou sua apresentação lembrando que, no mesmo momento, estaria sendo apresentado, na Câmara dos Deputados, o relatório do grupo de trabalho com as propostas para a reforma tributária.
“Havia feito um quadro comparativo entre as PECs (Propostas de Emendas às Constituição) 110 e 45 para apresentar a vocês, mas este relatório vai substituir estas PECs, então precisamos nos ater aos aspectos gerais do que está sendo proposto”, observou Regina.
Para ela, as discussões apresentam a complexidade do sistema tributário como o principal problema a ser resolvido. “Mas, de fato, esse não é o maior problema do nosso sistema tributário. O maior problema é a regressividade, que leva o pobre a pagar mais impostos, proporcionalmente do que os ricos. O governo pode estar gastando um enorme capital político para promover uma reforma que não alterará a estrutura injusta da tributação”, disse ao acrescentar que, na verdade, a reforma que está em discussão no Congresso Nacional visa atender demandas do setor empresarial. “As propostas visam a redução dos custos do setor empresarial. Não está em pauta os problemas que essa reforma pode causar na elevação dos custos para os trabalhadores, nem na desorganização do financiamento da seguridade social”, disse.
A vice-presidenta do IJF também destacou que a unificação de tributos que está sendo proposta mexe com a arrecadação da União, estados e municípios. “Isso vai aumentar o custo administrativo, com um largo período de convivência entre o sistema atual e o que for criado. Ou seja, simples é que não vai ser”, observou.
Outra questão levantada por Regina é a promessa de que não vai haver aumento da carga tributária, mas alguns vão pagar mais, outros menos. “Os estados e municípios não seriam prejudicados por conta dos mecanismos de compensação, que podem durar até 50 anos. No médio prazo, haveria crescimento econômico que elevaria a arrecadação, de forma que até aqueles entes que tivessem perdas inicialmente passariam a ter ganhos. “Mas, para isso ocorrer, tem que dar tudo certo. Se alguma variável externa interferir, se os ciclos econômicos oscilarem muito, se tivermos crise sanitária, bom, aí, não sei”, pontuou.
Aumentar receitas
O segundo passo da estratégia do atual governo foi recuperar receitas. “Sem aumentar alíquotas e nem criar impostos. Apenas acabando com isenções e deduções. Com isso, o déficit público previsto para este ano, que era de 2,2%, vai ser de, no máximo, 1%”, disse Guilherme Mello.
Segundo o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o que está em discussão no Congresso Nacional é um primeiro passo da reforma tributária, que vai garantir um aumento real gradual do investimento público de cerca de 2,5% nos próximos anos.
“Hoje já estamos falando de uma realidade bastante diferente do que assumimos no ano passado. Mas, ainda muito pior do que em 2003, quando também encontramos o país quebrado, com uma dívida interna de 54% do PIB. Hoje, a dívida chega a 76% do PIB”, observou Mello.
Para Berzoini, porém, o novo regime fiscal pode até estar garantindo um crescimento real da economia, mas precisa ir além. “É preciso cumprir a segunda parte do que Lula prometeu: ‘colocar o rico no imposto e o pobre no orçamento’. O governo está fazendo a mudança na cobrança de impostos sobre o consumo, mas ainda não está fazendo nada sobre a renda e a propriedade”, observou. “Se fizemos a primeira parte e não a segunda, teremos uma meia reforma. E não faremos o que é fundamental, que é inverter a base tributária, do consumo para a renda e a riqueza”, completou.
Próxima fase
Mello explicou que, neste primeiro semestre, o governo visa aprovar no Congresso Nacional as alterações no sistema tributário que precisam ser feitas por meio de emendas constitucionais, que são as mudanças que tratam da tributação sobre o consumo. “Essa reforma sobre o consumo aumenta o potencial de crescimento da economia brasileira entre 12% e 15%”, disse.
“No segundo semestre daremos andamento às alterações que podem ser feitas por meio de leis complementares, que é a parte de tributação sobre a renda”, completou.
Para o secretário de política econômica, o Brasil arrecada pouco sobre a renda e o aumento desta arrecadação pode ser uma forma de o Brasil combater a desigualdade, caso consiga arrumar uma forma de devolver parte do tributo arrecadado por meio de serviços para os pobres.
Ele disse também que a não tributação dos lucros e dividendos estimula a “pejotização”, que é a precarização do trabalho. “Essa discussão vai ocorrer no segundo semestre”, previu.
Para Berzoini, que conhece bem o funcionamento do Congresso Nacional, a primeira parte da reforma tem grande chance de ser aprovada. A segunda parte, que teoricamente é mais fácil, uma vez que precisa de menos votos por poder ser feita por lei ordinária, somente será aprovada se houver pressão social.
O que vem depois
“Vencidos esses passos, podemos iniciar os planos de investimentos e de transformação ecológica, com uma ampla agenda de desenvolvimento, desde política distributiva até política social e de saúde, política energética, geração de emprego e renda… Estas ações já estão sendo anunciadas, mas ainda não tiveram repercussão na mídia”, disse Mello.
Materiais
Abaixo você pode acessar as apresentações feitas pelos expositores dos dois módulos do Curso de Formação sobre Reforma Tributária.
Módulo 1
>>>>> O sistema tributário que nos define
>>>>> Tributação e desigualdade de gênero no Brasil
>>>>> A Natureza Política da Tributação
>>>>> Formas dos super-ricos não pagar impostos
Módulo 2
>>>>> Novo Regime Fiscal: Uma visão geral
>>>>> Projetos de reforma tributária
Fonte: CONTRAF