Mesmo brigados e trocando farpas, João Dória e Jair Bolsonaro estão do mesmo lado no debate político. Recentemente, em uma entrevista ao site Correio Braziliense, o atual governador de São Paulo e candidato nas prévias do PSDB para disputar a eleição presidencial em 2022, disse que, se eleito, trabalhará para privatizar o Banco do Brasil e a Petrobras.
A privatização dessas duas empresas também faz parte dos objetivos do atual governo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou, diversas vezes, que atua para entregar todo o sistema estatal produtivo, incluindo a Petrobras e o BB, à iniciativa privada até o final de 2022.
O desejo do governo bolsonarista não foi possível, até o momento, graças à resistência das entidades sindicais organizadas, com o apoio da oposição no Congresso. A privatização de empresas estratégicas também não tem o apoio da maioria da população. Pesquisa Fórum, divulgada no primeiro semestre de 2020, apontou que 57,8% dos brasileiros são contra a privatização do BB; 60,6% contra a privatização da Caixa e 57% contra a venda da Petrobras. Alguns meses depois, em fevereiro de 2021, outra entidade, a XP/Ipespe, divulgou pesquisa apontando que 59% dos entrevistados eram contra as privatizações.
Para o coordenador da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (CEBB), João Fukunaga, as pesquisas revelam que os brasileiros têm consciência do papel estratégico das empresas estatais: “Vários países mantém o controle em empresas estratégicas para garantir vantagens geopolíticas. No setor petrolífero, por exemplo, o controle estatal significa segurança e autossuficiência energética nacional, redução dos custos de abastecimento e maior recuperação e reposição das reservas de gás e petróleo”, pontua Fukunaga.
Ele destaca que, no setor financeiro, manter bancos públicos significa garantir financiamento para tirar do papel obras que o setor privado cobraria muito mais caro para construir, como as de saneamento básico e moradias mais acessíveis. Os bancos públicos também são fundamentais na oferta de financiamento mais barato à agricultura familiar que, hoje, é responsável por 70% o alimento que chega em nossas mesas. Portanto, sem os bancos públicos o país colocaria em risco a segurança alimentar. Fukunaga ainda completa:
“A Alemanha está entre os países desenvolvidas que mantém e fortalece a gestão dos bancos públicos, como ferramenta de políticas econômicas que tornaram a nação mais resiliente diante de crises. A chamada ‘economia social de mercado’, inclusive, teve origem na Alemanha pós-guerra onde, no centro, estão os sindicatos participando de decisões estratégicas nas empresas e, no sistema financeiro, cooperativas e bancos públicos que trabalham de forma integrada para fazer com que todas as pessoas e empresas tenham acesso a crédito”, explica o CEBB.
Maiores empresas de energia são estatais
Ainda na entrevista ao Correio Braziliense, Dória comentou que ele se inspira no “modelo já existente nos Estados Unidos” para a privatização da Petrobras, que seria dividir a empresa em várias partes “a ser colocada em leilão internacional na Bolsa de Valores”.
O pensamento defendido por Dória está na contramão do que de fato está acontecendo no mundo inteiro. Segundo o TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda, desde o início dos anos 2000, centenas de empresas, de diversas áreas, foram reestatização, inclusive nos países mais ricos.
Vale destaca ainda que, no setor de petróleo e gás, as maiores empresas do mundo são estatais, as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega) e a Petrobras.
Dória também se esqueceu de comentar que o Congresso norte-americano e a Casa Branca têm forte influência na defesa das jazidas minerais e petrolíferas daquele país. Um exemplo foi a atuação política para impedir que a estatal chinesa CNOOC participasse, em 2005, da compra da Unocal Corporation, detentora de reservas consideráveis de petróleo e gás na América do Norte e Ásia.
Na ocasião, o Congresso Americano lançou mão de uma emenda que autoriza o Poder Executivo de rever todo o investimento estrangeiro nos Estados Unidos. Assim, mesmo tendo feito a maior oferta (cerca de 18,5 bilhões de dólares, em comparação com a segunda oferta de 16,5 bilhões feita pela Chevron), a CNOOC foi impedida de comprar a Unocal Corporation.
“O caso Unocal é a demonstração evidente de que o discurso norte-americano de defesa do livre mercado não é acompanhado pela prática. Os interesses estratégicos do Estado norte-americano prevaleceram sobre os mecanismos ditos de mercado. No setor petrolífero, nem a principal potência econômica do mundo abre mão da garantia da sua soberania”, pontuou o professor e advogado Gilberto Bercovici, em artigo de sua autoria publicado no site Conjur.
Retorno ao modelo de exploração colonial
Voltando ao discurso de Dória, o aspirante à cadeira no Palácio do Planalto ainda argumentou que, com a venda da Petrobras, seria possível formar “um fundo regulador” para impedir o aumento dos combustíveis quando houvesse aumento do petróleo nas cotações do mercado internacional.
“Essa fala de Dória é mais um erro, replicado pela maioria dos meios de comunicação, infelizmente. Não precisamos e nem deveríamos continuar atrelando o preço do petróleo ao preço praticado, em dólar, no mercado internacional, se temos produção de petróleo em território nacional”, destaca Fukunaga se referindo à política de paridade em relação aos preços de combustíveis importados, praticada pela Petrobras desde 2016.
Além da paridade dos preços do petróleo com o dólar, o desmonte da Petrobras também está contribuindo para aumentar os custos dos combustíveis em âmbito nacional. A perda mais significativa foi da TAG, responsável pelo maior sistema de gasodutos do país. A Petrobras vendeu a empresa por R$ 36 bilhões e, agora, paga a ela R$ 3 bilhões ao ano para utilizar o complexo de gasodutos.
“Desde 2016, com a entrada de Temer no governo, o Brasil vem sendo submetido, novamente, a uma exploração do tipo colonial. Passamos, lá atrás, pelos ciclos do pau-brasil, do açúcar, do ouro, prata e diamante, do café, da borracha e do cacau. Agora, a invés de aproveitar as grandes reservas de petróleo para desenvolver a cadeia industrial competindo, lado a lado, com os países desenvolvidos, estamos exportando a matéria bruta, entrando mais uma vez para o ciclo extrativista. O governo Bolsonaro aprofunda essa lógica e, se Dória se tornar presidente, manterá a política do desmonte e subdesenvolvimento do país”, alerta o CEBB.
Fonte: CONTRAF