Juvandia Moreira*
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da chamada “reforma administrativa” é vendida pelo governo Bolsonaro como uma forma de se combater privilégios. Mas não atinge as carreiras onde estão os altos salários e privilégios. Beneficiários como juízes, promotores e militares não são incomodados pelas mudanças. Com a PEC, esses servidores ficariam em novos vínculos com a administração pública, definidos como “cargos típicos de Estado”. Permanecem com os altos salários, terão estabilidade, benefícios e aposentadorias diferenciadas. Pouco ou nada muda. O objetivo real dessa reforma é atingir os trabalhadores. Agora, a proposta começou a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.
A PEC da reforma administrativa livra os funcionários “do andar de cima”, prejudica os “do andar de baixo”. Quem perde estabilidade é o funcionário que está na linha de frente, atendendo a população. Quando se fala em reduzir salários, na verdade pretende-se reduzir serviços públicos, um dos poucos amparos sociais da população carente. Desde o ano passado, a pandemia vem mostrando a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). E o maior contingente de servidores públicos está nas áreas da Saúde e da Educação. Esse contingente de servidores é que será prejudicado pela “reforma”. A população carente da cidade também perde e muito.
É falso dizer que o Brasil tem muitos servidores públicos. Um motorista de ambulância da rede pública estadual em São Paulo tem salário de R$ 1.465. Um professor da rede pública estadual no mesmo estado tem salário de R$ 3.829,92. O ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor ferrenho da reforma administrativa, tem salário mensal de R$ 30,9 mil. Além do salário, recebe também auxílio de mais de R$ 8 mil mensais, somando os R$ 7.733, de auxílio moradia e R$ 458 de auxílio-alimentação. Mesmo juízes que têm residência em seus locais de trabalho também recebem auxílio moradia. Isso, sim, é privilégio, mas a reforma do governo não vai mexer nessas mordomias. Os dois servidores do “andar de baixo”, o professor e o motorista de ambulância, têm rendimentos menores do que a metade do auxílio moradia do ministro, o servidor do “andar de cima”. Guedes e outros privilegiados não serão prejudicados.
Também é falso dizer que o setor público no Brasil está grande demais. A taxa média de servidores no Brasil é inferior à média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e inferior a de países desenvolvidos, de acordo com levantamento da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite). A média de servidores públicos em relação à população empregada, calculada pela OCDE, é de 17.88%. O país que mais emprega servidores públicos é a Suécia. Cerca de 30% de sua população economicamente ativa são de servidores públicos. Os EUA estão próximos à média da OCDE, com 15.89%. O Brasil tem taxa de 12.5% de servidores públicos em relação à população empregada. Está na média da América Latina e do Caribe.
A PEC da reforma administrativa não passa de mais um ataque que os trabalhadores e a população em geral passaram a sofrer com o golpe que depôs a presidenta Dilma Roussef, em 2016. Alguns chamam de “reformas”, mas são ataques em sequência como a PEC dos Gastos Públicos, e outras duas “reformas”, a Trabalhista e a da Previdência. Em essência, foram ataques ao estado de bem estar social no Brasil, que garantia relativa proteção e serviços para a população mais carente, tanto de renda como de direitos. A reforma administrativa é mais um passo para o desmonte das conquistas sociais que vieram com a Constituição de 1988.
Ao acabar com a estabilidade no serviço público, a PEC da reforma administrativa ameaça a qualidade do atendimento à população. A estabilidade assegura a continuidade dos serviços públicos e evita mudanças estruturais a cada eleição. A dedicação profissional é desestimulada com a PEC, que veda a promoção e a progressão na carreira por tempo de serviço. Sem estabilidade, o servidor público fica à mercê de prefeitos, governadores e presidentes menos descompromissados com a população, que passam a manipular o serviço público de acordo com seus interesses eleitorais. A “reforma” também abrirá margem para que entidades sindicais sejam perseguidas pelos governos. É a democracia sendo corroída ainda mais.
A PEC também impede que os bancos públicos sejam ferramentas de indução de políticas econômicas e os iguala aos bancos privados. Assim, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil passam a ter os mesmos objetivos dos bancos privados e não podem ter mais o papel que tiveram como estimuladores da economia na crise de 2008. Naquela época, as chamadas políticas anticíclicas foram fundamentais para que o Brasil sofresse menos danos do que outros países e fosse um dos primeiros a sair da crise. Sem os bancos públicos, a superação da crise seria muito mais difícil.
São muitos os danos que a PEC da reforma administrativa oferece ao país. Caso seja aprovada, certamente vamos retornar a um estado paternalista, que a duras penas começávamos a superar nos últimos anos. Em resumo, será um retrocesso que prejudicará a grande maioria da população.
*Juvandia Moreira é presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT)
Artigo originalmente publicado no site da Central Única dos Trabalhadores (CUT)