O presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) 927/2020 que permite às empresas suspender o contrato de trabalho de seus funcionários por até quatro meses, sem remuneração. Publicada em edição extra do Diário Oficial da União neste domingo (22), a MP tem validade imediata enquanto durar o período de calamidade pública, em vigor até 31 de dezembro devido à pandemia de coronavírus.
O texto, que precisa ser aprovado ou recusado pelo Congresso Nacional em até 120 dias, contém uma série de mudanças que deixam o trabalhador “à mercê” das empresas. Um exemplo é que os patrões poderão conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual, com valor definido livremente entre as duas partes, via negociação individual, excluídos a participação dos sindicatos. Nesse período, o trabalhador não terá acesso ao seguro-desemprego.
A MP 927 também permite teletrabalho, antecipação de férias, concessão de férias coletivas, antecipação de feriados, bancos de hora, além de suspender exigências administrativas, de segurança do trabalho. Também autoriza as empresas a atrasar o recolhimento do FGTS.
A proposta estabelece que não será considerado acidente de trabalho caso o empregado das áreas de saúde, transporte e serviços essenciais contraia o novo coronavírus e não consiga comprovar o “nexo causal” com a função laboral desempenhada. Trabalhadores da saúde poderão ter seus turnos dobrados, com banco de horas que deverá ser compensado em até 180 dias.
Para Gustavo Tabatinga Júnior, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), as medidas anunciadas estão na contramão do que vem sendo feito em países como Alemanha, Inglaterra e Espanha, onde os governos pagarão até 80% dos salários durante a quarentena de enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). “Essa é uma proposta quase que genocida, que atende só os grandes empresários. Esse governo perdeu totalmente a responsabilidade nesse momento de crise. Persegue os trabalhadores colocando-os a mercê neste momento de pandemia. Jogará na fome as pessoas e forçará muitos a se exporem, o que aumentará o contágio”, disse. “É hora de garantir mais direitos, e não menos, e melhores salários aos trabalhadores dos setores essenciais que continuam em atividade em meio à pandemia”, completou.
Vulnerabilidade
Segundo o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, essa MP retira um “conjunto enorme” de direitos trabalhistas, sob suposta justificativa de garantia do emprego. Mas não há na medida, segundo ele, nenhum dispositivo que garanta a manutenção dos postos de trabalho. “Estamos num daqueles momentos em que o governo se aproveita da situação não só para não fazer medidas efetivas para a sua proteção, e para os mais pobres, mas para priorizar bancos e empresas”, afirmou em comentário à Rádio Brasil Atual nesta segunda-feira (23).
Fausto destacou que, se a medida não for derrubada no Congresso, a vulnerabilidade em que os trabalhadores se encontram neste momento farão ainda mais que os acordos individuais estabelecidos se sobreponham aos acordos coletivos e, até mesmo, à legislação trabalhista em vigor.
“Numa situação como esta, que força tem o trabalhador para decidir qualquer coisa individualmente? Vai acabar aceitando o que tiver que aceitar. A opção que ele tem é ser mandado embora. Quando se retira o sindicato de toda e qualquer negociação, o que se faz é colocar o trabalhador à mercê do que a empresa definir.”
O desembargador no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região Jorge Luiz Souto Maior, vai além. Para ele, a medida provisória é “desumana” e vai agravar o quadro de crise econômica, social e sanitária decorrente da epidemia de coronavírus no país.
“O governo simplesmente desconsiderou a condição humana dos trabalhadores. É uma visão completamente distorcida da realidade, que maltrata os trabalhadores, em geral, e nega a importância do trabalho como um todo. Essas medidas propostas pela MP vão agravar, e muito, o quadro econômico, social e sanitário do país. É uma forma de aprofundar a crise, em vez de encontrar mecanismos que pudessem solucionar”, afirmou Souto Maior ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta segunda-feira (23).
Segundo o desembargador, fazer a classe trabalhadora arcar com os custos da crise vai causar efeito de “calamidade”. Ele diz que a MP coloca em risco a vida de profissionais das áreas de saúde, transporte e comércio, que estão prestando serviços essenciais para a sobrevivência de toda a população.
“O Estado não vai se preocupar com a vigilância em torno das regras de saúde e segurança dessas pessoas. É um massacre. Quebra todos os elos de solidariedade de uma sociedade”, afirmou. Ele acredita que nem mesmo os empresários destes setores estão interessados em promover tamanha desproteção e recomenda “resistência” contra a medida.
“Pedir às pessoas que trabalham já com salários rebaixados e condições precárias, diante da última reforma trabalhista, que recaia sobre elas essa conta é completamente desproporcional. É desumano. É pior. Do ponto de vista sanitário e econômico, implica agravamentos muito sérios, que vão nos acompanhar mesmo depois que o risco de contágio diminuir”, afirmou o desembargador, que classifica como “disparate” a MP 927.
Reação
As centrais sindicais se reúnem nesta segunda (23) para discutir maneiras de reagir à proposta. Fausto espera contar com o posicionamento dos deputados e senadores contra a medida, que causa “desproteção absurda” aos trabalhadores formais. “Vamos ter que interferir dentro do Congresso Nacional”, antecipou.
Horas após ter editado a medida, a pressão popular e de diversos setores obrigou o presidente a recuar em parte do texto. Ele afirmou na tarde desta segunda-feira (23), em suas redes sociais, que revogou o trecho da medida provisória 927 que previa a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses.
Fonte: CONTRAF