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05/08/2019

Alejandro Guillier, Boulos, Haddad e Nivaldo Santana analisam conjuntura

05083 Depois da aprovação do regimento interno e uma intervenção artística de membros do grupo Slam, as atividades da 21ª Conferência Nacional dos Bancários deste sábado (3) se iniciaram com uma mesa de análise da conjuntura. A presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, coordenadora do Comando Nacional dos Bancários ressaltou a qualidade dos debates e dos debatedores.

“Teremos hoje debates importantes para balizar as resoluções de nossa conferência. É importante que façamos uma boa análise de conjuntura, com reflexão sobre a soberania nacional, a reforma da previdência e sobre os impactos que a legislação e a tecnologia podem causar no mundo do trabalho e na organização sindical para que possamos sair daqui com resoluções que nos permitam concretizar nossa luta, que é pela soberania nacional, pela democracia, pelos diretos e contra as privatizações”.

Crise política e avanço da extrema direita

Nivaldo Santana, secretário sindical do PCdoB, destacou que a conjuntura internacional tem sido marcada por fortes tensões e por uma persistente crise sistêmica do capitalismo. “A economia está, desde 2008, numa situação de estagnação em todo o mundo, que tem gerado uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e, consequentemente, tensionando a conjuntura internacional.”

Para Santana, o declínio econômico e a crise política têm sido os pontos de partida do avanço da extrema direita em todo o mundo. “O Brasil não está descolado disso. O aumento da desigualdade social propicia ainda mais espaço. Aqui no Brasil, sofremos uma derrota nas últimas eleições, que liberou uma agenda de extrema direita, transformando nosso país num país subserviente aos Estados Unidos, com uma política neocolonial, marcada por uma onda de privatizações, anunciada pelo ministro da Economia (Paulo Guedes) sem nenhuma vergonha.”

Segundo o secretário sindical do PCdoB, o Brasil vive, pela primeira vez na história, um período de crise econômica, por mais de cinco anos e sem nenhum sinal de recuperação. “Pelo contrário, só piora. Essa agenda ultraliberal tem aprofundado todos os fatores negativos da economia brasileira.”

Para enfrentar tudo isso, disse Nivaldo Santana, os movimentos de esquerda brasileiros têm lutado bastante. “Pela primeira vez na história do Brasil, o movimento sindical se unificou e realizou um 1º de Maio unificado, que abriu espaço para manifestações contra a reforma da Previdência e em defesa da educação e das empresas públicas. Esse processo de acumulação de forças tem sido fundamental e é esse caminho que devemos trilhar. Defender nas ruas nossa democracia, nossos direitos e a soberania nacional.”

Semelhanças com o Chile

O senador chileno Alejando Guillier falou sobre o cenário político e econômico do Chile e fez reflexões sobre a semelhança da situação social do seu país com a do Brasil. O parlamentar, que foi candidato a presidente da República do país, em 2017, disse que o Chile vive um distanciamento das representações políticas e sociais com o governo.

Segundo ele, as principais decisões do governo passam pelos grandes grupos econômicos. “O Chile vive uma democracia aparente”, ressaltou.

Guilier destacou ainda a influência das fake news e da globalização no cenário político dos países da Americana Latina. Para o senador, a crise econômica nos países da região está mudando as condições de trabalho. “Vivemos uma precarização do trabalho. Os trabalhadores, no Chile, são incentivados a serem empreendedores, sem organização e sem direito nenhum”.

Outro ponto negativo desse processo, apontado por Guillier, é que o desemprego está inibindo a organização da classe trabalhadora. “O desemprego paralisa e o trabalhador não tende a organizar-se”.

O senador defendeu que as organizações sindicais e sociais e as forças políticas progressistas utilizem a globalização para consolidar uma rede de transmissão de mensagens que possam fortalecer e unificar a luta por igualdade social e pelos direitos de todos os trabalhadores.

Protagonismo da categoria

O filósofo, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da frente de movimentos populares Povo Sem Medo, Guilherme Boulos, saudou as delegadas e delegados da conferência e ressaltou que a categoria bancária sempre esteve na linha de frente da luta sindical e social do país.

“E uma satisfação participar desta mesa de análise de conjuntura num momento em que ela é tão necessária. É importante entendermos o que está acontecendo para conseguirmos organizar melhor nossa luta”, disse Boulos.

Boulos acredita que a categoria bancária tem um importante papel na tarefa de iluminar o futuro da esquerda brasileira. “Primeiro, na defesa dos bancos públicos, que sofrem ataque do governo brasileiro.” Ele ressalta a importância dos bancos públicos como instrumento para assegurar crédito aos trabalhadores e para a execução de política social e habitacional. Para ele, as esquerdas tem a responsabilidade de fazer uma campanha para mostrar à sociedade a importância dos bancos públicos para a superação da crise e para o desenvolvimento social. “Eles são essenciais para a soberania nacional e para fazer prevalecer o interesse coletivo dos trabalhadores.”

O segundo ponto no qual os bancários devem assumir o protagonismo, segundo Bolulos, é na discussão de alternativas para o avanço tecnológico, que pode destruir categorias inteiras por todo o mundo. “Eu acho que a categoria bancária, por estar sentindo na pele, tem o protagonismo de conduzir saídas para esse grave problema. Quais alternativas vamos oferecer a esse problema, que é o descarte de milhões de trabalhadores pelo mundo?”

Para Boulos, estamos vivendo um inferno político no Brasil e não há a menor dúvida de que, para brotar a primavera, temos que reacender a mobilização e reaquecer as ruas. “Para isso, temos que redobrar o trabalho de base, para que as ruas sejam nosso palco e, enfim, impor derrotas a esse governo. Juntos vamos vencer essa batalha, pois estamos do lado certo da história.”

Política militar de choque

Para o sociólogo, o país vive hoje, com Bolsonaro, um governo de guerra. “Ele não tem nenhuma preocupação em estabelecer uma maioria na sociedade. Ele usa táticas militares para lidar e governar com a opinião pública de uma minoria, que faz grande barulho”.

Boulos explicou que, com uma técnica militar de choque, Bolsonaro desmobiliza a reação social. Para ele, apesar de o presidente da República não ter capacidade para fazer isso, o grupo militar que está junto ao governo é formado pelo segmento que tem apoio direto dos Estados Unidos da América (EUA) que não aceitou a transição democrática que tivemos no país.

Para Boulos, o governo está numa etapa de destruição de um projeto de futuro. “Peguemos o que sobrou de um projeto de políticas sociais no país, os bancos e as empresas públicas. O que vemos de notícia é a preparação do desmonte, que começou com o governo Fernando Henrique, foi retomado com Temer e agora com Bolsonaro. É transformar tudo aquilo que conquistamos como direitos em privado”. Ele também destacou as medidas adotadas pelo governo na tentativa de impedir a luta democrática do movimento social e sindical do nosso país.

“Além de começar a debater como é que a gente sai disso, é importante voltar um pouco atrás para entender como entramos nisso. Entender como essa turma conseguiu ganhar uma eleição presidencial em nosso país”, observou Boulos. “Não podemos achar que todo mundo que votou no Bolsonaro é fascista”.

Para ele, a minoria é fascista. A maioria é formada por pessoas que foram atingidos pela crise econômica e não conseguiu mais espaço no mercado. “Com a explosão da violência, veio um cara com jaleco militar falando que ia matar bandido. Esse discurso pegou, inclusive entre a classe trabalhadora”.

Boulos avalia que jovens da periferia votaram em Bolsonaro não por ser fascista ou torturador, mas porque viram uma saída para a situação em que o país se encontra. “Mas, seis meses depois, aquele ‘peixe’ que foi apresentado começou a apodrecer e o hoje o constrangimento mudou de lado”. Mas, para ele, isso não quer dizer que a conjuntura mudou. “Não podemos acreditar nisso”.

Para Boulos, as pessoas estão desiludidas com o governo Bolsonaro e dispostas a ouvir. “Precisamos mostrar que o Tiririca estava errado e que é possível ficar ainda pior. Mas, que existe uma alternativa. E temos que nos colocar como alternativa e construir esse espaço de diálogo”.

Investimento público

O coordenador do MTST avalia que não tem saída para a crise econômica no país sem a retomada do investimento público. “A história que é preciso reformas de austeridade para fazer a economia crescer é mentira. Disseram isso para fazer a reforma trabalhista, disseram isso na reforma da Previdência e agora estão fazendo o mesmo discurso para tentar impor uma reforma tributária que desonera as empresas e o investimento financeiro”, disse. “Mas, o que tem poder de recuperar a economia é ter um processo de investimento público que este governo não vai fazer”, concluiu.

Boulos listou três desafios para que a esquerda retome o protagonismo.

  1. Reorganizar a oposição a Bolsonaro e ao projeto que ele representa. Sair das cordas e superar o momento da perplexidade, da revolta apenas virtual, onde ficamos falando para nós mesmos. Temos que organizar uma oposição mais firme e mais dura.

“É verdade que precisamos de unidade num momento desses com amplos setores, como também temos que construir uma oposição dura, que saiba reagir à política de Bolsonaro para que a gente esteja à altura de enfrentar o que está acontecendo hoje. Temos que ir para as ruas. Testar mais as ruas”, disse.

  • Organizar o trabalho social. Dedicar nossas energias e nossa organização para desenvolver um discurso que não seja apenas para convertidos e consiga superar a bolha para atingir outras pessoas e possibilitar a retomada da hegemonia.

“No parlamento temos uma bancada de oposição que fala o que está entalado na nossa garganta. Mas, agora não somos hegemonia, no Congresso. A hegemonia é da turma do (Rodrigo) Maia e do centrão”. Para retomar a hegemonia, Boulos diz que preciso recuperar o espaço que deixamos vazio nas periferias e que está sendo ocupado por grupos conservadores. “Precisamos reconstruir esse vínculo para nos reconectar com a periferia. Sem isso, nossa derrota vai ser de longo prazo. Para virar a mesa temos que refazer essa conexão em cada partido, em cada organização social”

  • Apresentar um projeto que dê esperança para a sociedade brasileira.

“Precisamos fazer oposição ao que está aí, mas também dizer o que a gente quer, sem ser o portador do passado. Temos que ser portadores do futuro, reconhecer o que foi feito de bom, como a política de aumento salarial, a ampliação do acesso às universidades, a política habitacional, mas, ao mesmo tempo temos que ter a humildade para reconhecer erros e o que era preciso fazer e não foi feito. Colocar na agenda a necessidade da reforma política, das comunicações, do oligopólio financeiro”, disse. Para ele, temos que desenvolver políticas que nos permita ir além da ampliação do acesso ao consumo. “O mesmo trabalhador que foi beneficiado pelo aumento de acesso ao consumo, fez arminha com a mão”.

“No ultimo período, com tanta pancadaria que tivemos que enfrentar, tinha gente que ficava receosa de vestir vermelho. Temos que ter nesse momento a espinha ereta para dizer o que nossos projeto representa, que é a solidariedade contra o cada um por si. A vida acima do lucro. Um projeto de sustentabilidade ambiental contra uma política de desmatamento e liberação de agrotóxico que vai matar todo mundo. Um projeto que não mata negros e quilombolas, um projeto de direitos, não de privilégios. Mostrar que nosso projeto combate a concentração de renda, que nosso projeto é o da distribuição”. Para Boulos, temos uma grande oportunidade de fazermos esse debate na reforma tributária. “Temos que ir pra cima e retomar nosso discurso do que representa nosso projeto. Mostrar que o capitalismo não é capaz de garantir emprego para todos, alimento, moradia e saúde para todos”.

Temos que enfrentar a discriminação racial e de gênero

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, apontou que – nessas duas últimas semanas – revelou-se um projeto político no Brasil que nós temíamos desde o ano passado, mas demonstra ser uma das coisas mais regressivas que o Brasil viveu em muitas décadas. “Eu diria que nem a ditadura militar ousou destruir a Cultura e a Ciência como este governo.”

Para piorar, analisou Haddad, a aprovação da reforma da Previdência mostrou que o governo Bolsonaro tem base congressual suficiente para impor à base da pirâmide brasileira sacrifícios ainda maiores e mais cruéis do que eles já fazem para sustentar esse país. “Eu entendo que uma grande parte dos eleitores do Bolsonaro no ano passado já se deram conta do retrocesso, mas não podemos nos iludir, ele ainda tem um núcleo político muito duro que é capaz de impor à população mais perdas sociais e trabalhistas.”

Segundo o ex-prefeito de São Paulo, o Brasil está vivendo retrocessos do ponto de vista civil e político, com prisões arbitrárias e assassinatos de lideranças dos movimentos sociais. Por isso, há um desafio enorme, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista político. “Nós temos que voltar a nos reunir mais frequentemente e voltar a produzir conhecimento novo. Nós temos que nos aproximar das universidades, das academias e estimular as pessoas a se debruçarem sobre o Brasil, para uma visão de futuro para o nosso país.”

Do ponto de vista internacional, segundo Haddad, há uma enorme desconfiança nos demais países emergentes sobre qual é o papel que o Brasil vai exercer na economia mundial. “Apesar de estarmos fragilizados, as posições econômicas e geopolíticas sempre importaram. E o Brasil hoje está virando lacaio dos Estados Unidos, em todos os aspectos. Nós estamos quase virando um protetorado, que é aquela nação protegida diplomática ou militarmente e, em troca, aceita obrigações.”

O petista lembrou que, desde que o Brasil passou a ser sabotado politicamente, o que nós vemos é retrocesso no mercado de trabalho, no plano de desenvolvimento, na educação, no crédito. Ou seja, retrocesso em todos os pilares num processo de desenvolvimento.

Segundo ele, se não voltarmos a nos reunir para discutir os últimos anos, inclusive nossos erros, discutir a história e definir um projeto, nós vamos ver o bonde passar e ficar para trás. “Sem ideias novas nós não vamos mobiliar os corações, mobilizar as mentes. São as ideias que fazem as pessoas saírem de casa e ir para as ruas. A gente precisa engajar. Não existe transformação social sem a participação do povo. Nós precisamos conviver com a juventude e com nossos antigos e novos mestres para voltar a sonhar com um Brasil melhor e com uma América Latina Unida.”

A 21ª Conferência Nacional dos Bancários segue na tarde deste sábado, com mesas de debates sobre a soberania nacional e a reforma da Previdência. A programação continua no domingo (4).

Fonte: Contraf-CUT

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