A socióloga Bárbara Vallejos e o economista Gustavo Cavarzan, ambos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), dividiram, neste sábado (18), a terceira mesa de debates da 22ª Conferência Nacional dos Bancários, sobre dados da categoria e do sistema financeiro com o advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Jefferson Martins de Oliveira.
O debate foi iniciado pelo economista Gustavo Cavarzan, que apresentou dados sobre as “Tendências do setor financeiro pós-pandemia”, com destaque para a digitalização e o teletrabalho.
Segundo Gustavo, a crise gerada pela interrupção repentina e generalizada dos fluxos de renda causou, desde o início da pandemia, uma redução de 7,8 milhões de trabalhadores que faziam parte da população ocupada. “O percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar chegou a 49,5% no trimestre encerrado em maio. É mais baixo nível da ocupação desde o início da PNAD Contínua, em 2012”, informou.
Esse dado, somado às quedas em abril frente a março de 12% no setor de serviços, 17% no de varejo e de 19% na produção industrial trouxe sérios reflexos na renda das famílias e das empresas, que terão dificuldade de pagar suas dívidas e isso pode afetar os resultados dos bancos, segundo o economista do Dieese. “O grau de incerteza é elevadíssimo e é provável que os resultados sejam afetados, mas não podemos deixar de dizer que o setor financeiro sofrerá prejuízo. Apenas terá lucro menor”, disse, ressaltando que os impactos são diferentes de acordo com o tamanho dos bancos.
Gustavo observou, ainda, que a queda se dá em relação a uma base de um lucro recorde obtido pelos bancos em 2019 e que no primeiro trimestre de 2020, à exceção do Santander, houve redução do lucro dos cinco maiores bancos do país. “Esta redução de lucro está vinculada ao aumento das provisões para despesas duvidosas, para se precaver das incertezas e reduzir seus prejuízos.
Digitalização, Redução de postos de trabalho e fechamento de agências
Para retomar a rentabilidade dos últimos anos, segundo o economista, é provável que a reação mais imediata dos bancos se concentre em uma dupla estratégia de redução de custos fixos (despesas de pessoal e despesas administrativas). “Isso já vinha ocorrendo e, como indicam notícias veiculadas pela imprensa, deve se intensificar”, observou.
Outro indicativo de que os bancos vão ampliar ainda mais a digitalização é a ampliação do orçamento de tecnologia, que chegou ao valor recorde de R$ 24,6 bilhões em 2019. “Mas, esse processo se acelerou durante a pandemia. O uso da modalidade ‘mobile banking’ cresceu de 57% para 67% entre janeiro e abril de 2020. E o atendimento por robôs cresceu 78% no mesmo período”, informou o economista do Dieese.
Entre 2013 e 2019 houve uma redução de 70 mil postos de trabalho nos bancos e o fechamento de 3.400 agências físicas, segundo os dados apresentados pelo economista do Dieese.
“Esta é outra tendência que já vinha ocorrendo e que pode ser intensificada com busca de redução de custo e a continuidade do teletrabalho, mesmo após a pandemia.
Pesquisa sobre home office
Bárbara foi a responsável pela síntese a análise dos resultados da pesquisa sobre o teletrabalho, que realizado pela categoria em home office. A socióloga explicou que os dados foram calibrados com a utilização da metodologia de ponderação “Rake”, que faz o ajuste das distribuições marginais para variáveis conhecidas no universo (banco, sexo e UF) e por fontes externas, assim, foi utilizada a RAIS para o ajuste.
“Utilizamos esse método para evitar possíveis distorções em relação ao universo total de bancários. Assim, conseguimos apurar a informação a partir da proporcionalidade da distribuição real categoria território nacional, por sexo, idade, enfim, respeitamos os dados estatísticos”, explicou.
Os dados da pesquisa mostram que o teletrabalho afetou a rotina familiar e de serviço doméstico da categoria e até o ambiente, com a transformação da sala ou quarto em estação de trabalho. “Essas mudanças afetaram ainda mais as mulheres. Para elas, é mais difícil conciliar as relações familiares e domésticas do que para os homens. O mesmo se observa quando há filhos em idade escolar nos domicílios”, afirmou a socióloga do Dieese.
Os bancários também avaliaram mal a estrutura ergonômica que têm à disposição para o trabalho em casa e disseram que é preciso melhorar a comunicação e a gestão dos bancos. Muitos sequer sabem se existe canal para atender novas necessidades para a execução do teletrabalho.
Jornada de trabalho
A pesquisa mostrou, ainda, que 35,6% dos bancários que estão trabalhando em casa perceberam que estão trabalhando além da jornada. “E é importante verificar que 26% deles não estão recebendo hora extra e nem participam de banco de horas”, observou a socióloga. Do total dos bancários que estão em home office, 36% disseram ser mais difícil o cumprimento de metas e a comunicação com outras áreas.
Saúde
A pesquisa também aponta que a nova rotina de trabalho também causou impactos na saúde da categoria. Para muitos, os problemas que já existiam de forma presencial permanecem, como sempre se manter preocupado com o trabalho, ansiedade, cansaço e fadiga, dores musculares e nas articulações. Mas, na nova situação, o medo de ser esquecido e a dificuldade de concentração foram adicionados à lista de problemas. Para reduzir estes problemas, os bancários acreditam que os bancos precisam fornecer melhores equipamentos e disponibilizar um canal de atendimento de um médico do trabalho.
Aumento de custo X redução de direitos
A pesquisa também apontou que parte da categoria sofreu perda do vale transporte/gasolina, E, em contrapartida, viram seus gastos com contas de energia elétrica e de supermercado aumentarem. Eles acreditam que, numa possível negociação sobre a manutenção do trabalho home office, é importante tratar sobre a concessão de equipamentos e infraestrutura pelo banco, bem como ações para minimizar os impactos na saúde, garantir o pagamento de hora extra, receber reembolso de despesas, bem como um auxilio home office de valor fixo. Boa parte aceita realizar um regime misto de home office e presencial, mas acham importante que os bancários haver um auxílio alimentação adicional e querem a garantida de uma frequência semanal no local de trabalho.
Legislação do teletrabalho
Jefferson Martins de Oliveira, assessor jurídico da Contraf-CUT, afirmou que a questão da legislação do teletrabalho – que é o trabalho realizado fora das dependências do empregador e com o uso da tecnologia de informação e comunicação – é algo bastante recente e a legislação demora a se adaptar isso. “O regramento que existe hoje é muito insuficiente e, por ser insuficiente, é necessário que a negociação coletiva faça a adequação setorial para o setor bancário do que é estabelecido na CLT para o que efetivamente ocorre com os bancários.”
O assessor jurídico da Contraf-CUT lembrou que foram feitas apenas duas alterações legislativas visando atender essa nova situação: em 2011, fora dos moldes que temos hoje, e na Reforma Trabalhista, com a inclusão de cinco artigos que definem o que é teletrabalho juridicamente. “É essencial que a maior parte do tempo você esteja fora das dependências do empregador para ser considerado teletrabalho. A transformação do seu regime presencial para o teletrabalho só é possível com um mútuo acordo, mas o contrário não é verdade, basta o empregador avisar com 15 dias de antecedência. E tudo isso tem que ser feito através de um aditivo em seu contrato. Toda e qualquer alteração a respeito da responsabilidade do fornecimento e manutenção dos equipamentos necessários para a realização do teletrabalho terá que ser discutido e pactuada neste instrumento aditivo, que vai regrar as condições do seu trabalho. Outra questão importante é quando chega ao acordo de mudança do regime presencial para o regime de trabalho, o empregador necessariamente deve, de maneira expressa e ostensiva, orientar o trabalhador sobre formas de evitar doenças e acidentes de trabalho.”
Fonte: CONTRAF