SEU BANCO - FINANCEIRAS21/06/2024 Ex-diretor do FMI crítica tentativa de transformar Banco Central em Empresa Pública de Direito Privado O economista e ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Junior, criticou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, para transformar o Banco Central (BC) em uma empresa pública de direito privado. As críticas foram realizadas em debate com parlamentares e especialistas durante a audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ocorrida na quarta-feira (18). “Parece uma incongruência atribuir a uma empresa pública de direito privado tarefas que são eminentemente estatais”, disse o economista. Os problemas que o Banco Central enfrenta, as suas atribuições, são extraordinariamente importantes para a sociedade. Não são de caráter puramente técnicos, são de economia política, envolvem incertezas enormes, tem repercussões muito importantes para a sociedade, por exemplo, sobre o nível de atividade de emprego, sobre a distribuição da renda, sobre a inflação, todos os temas que são de grande interesse para a sociedade em geral, que se expressa nas urnas.
A falácia da autonomia do BCA PEC que altera o regime jurídico do Banco Central, que está em discussão aqui, ela amplia e reforça a autonomia do Banco Central. Qual é o argumento a favor da autonomia? Essencialmente é um argumento que parte do princípio de que o horizonte dos políticos, eleitos, tem um caráter de ser muito curto e que seria preciso isolar a autoridade monetária da influência supostamente perniciosa dos políticos. Inclusive do governo eleito. Então, cria-se uma espécie de cordão sanitário onde o Banco Central, com liberdade, seguindo a famosa boa teoria econômica, decidiria em função do interesse público. Esse argumento, tem muitas falácias e omissões, não há consenso entre os economistas, nem no Brasil, nem no exterior sobre a validade desse argumento. Eu diria apenas que uma falácia nisso é a ideia de que existe uma boa teoria inequívoca que poderia orientar uma tecnocracia independente na definição das funções do Banco Central, especialmente da condição da política monetária. Teoricamente, o Banco Central é autônomo operacionalmente para conduzir a política humanitária de forma a alcançar as metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Essa é a teoria. Então, o Banco Central não seria independente, mas autônomo, para cumprir as metas que o governo, através do Conselho Monetário, fixa. Mas, olhando um pouquinho mais de perto à questão, o que você verifica? O Conselho Monetário tem apenas três membros, desde os anos 90. O ministro da Fazenda, o ministro de Planejamento e o presidente do Banco Central. Com o ministro de Planejamento, normalmente mais distante dessa temática, e o Banco Central exerce a secretaria do Conselho. Todos que têm alguma experiência, sabem que exercer a secretaria de um órgão dá muita influência e muito poder. Então, em larga medida, o Banco Central fixa as metas para si mesmo. Ele é mais independente do que se imagina pela simples contraposição que eu mencionei antes.
A porta giratória do BCO grau de autonomia que o Banco Central tem, em relação a quem é essa autonomia, é em relação ao poder político eleito, mas não é uma autonomia em relação a interesses financeiros privados, aos lobbys privados. Então, você veja aqui o seguinte, existe no Brasil, como em vários outros lugares, a captura do regulador pelo regulado, a captura do Banco Central por interesses financeiros privados. Através da chamada porta giratória, e não é um fenômeno só brasileiro, em inglês chamam de revolving door, os técnicos, os economistas, os financistas que vão para o comando do Banco Central, em geral, saem do mercado financeiro, do sistema financeiro e a eles retornam. Não existem regras fortes de saída para aqueles que passam pela diretoria do Banco Central. E o que acontece é que se o integrante da diretoria do Banco Central diverge muito dos interesses financeiros privados, ele corre o risco de, na sequência da sua participação na diretoria, de não ter uma carreira digamos assim confortável no sistema financeiro. Através da porta giratória, portanto, nós temos uma situação em que o Banco Central autônomo legalmente está insulado do poder político eleito, mas não está insulado da influência de lobbys financeiros privados.
PEC 65-2023 é inconstitucionalA PEC reforça a autonomia do Banco Central ao constitucionalizar diversos princípios que estão em lei complementar. Por exemplo, a autonomia operacional e administrativa, a ausência de subordinação do Banco Central, a qualquer Ministério ou órgão público, tudo isso já está em lei complementar e seria agora conduzido para um nível constitucional. E ainda, essa autonomia é ampliada pela inclusão da dimensão orçamentária e financeira do Banco Central, da autonomia do Banco Central. Muitos dos que criticavam a Constituição de 1988 diziam que ela era excessivamente detalhada. Eu me pergunto se esses que criticavam a Constituição de 1988 com esse argumento, agora vão dizer a mesma coisa em relação ao fato de que essa PEC transforma matéria que pode ser considerada de lei complementar em princípio constitucional. Até se pode questionar a constitucionalidade de fazer isso. Porque a Constituição, no artigo 192, estabelece que o sistema financeiro nacional, do qual faz parte o Banco Central, tem que ser regulado por lei complementar. Então, aqui nós temos uma situação possivelmente que é de atribuir à Constituição o papel que está reservado na própria Constituição à lei complementar.
BC exerce tarefas de EstadoA PEC, como já foi dito aqui, transforma o Banco Central de Autarquia Especial em Empresa Pública de Direito Privado. Ora, as atribuições do Banco Central são eminentemente estatais. São [tarefas] centrais do Estado emitir moeda primária por delegação do Estado, exercer a política monetária, regular os sistema financeiro, supervisionar os sistema financeiros, gerir as reservas internacionais que são do Estado. PEC 65/2023 transforma o BC em 4º Poder do EstadoE, em suma, nós temos uma situação muito peculiar, porque nós temos uma proposta de emenda constitucional que tira o Banco Central, que exerce atividades tão centrais para o Estado, da órbita da administração pública inteiramente. Consagra o isolamento do Banco Central do resto da política econômica e, no meu entender, consagra o Banco Central como quarto poder pelo grau de autonomia e de liberdade que ele terá em relação ao poder político eleito. PEC- 65/2023 propõe transferência de recursos do Estado para o BCComo se financia esse Banco Central que teria, se a PEC for aprovada, [em relação a] autonomia, orçamentária e financeiramente? Não me parece que seja claro na documentação que eu pude ver. Fala-se que seria usada a receita de senhoriagem. Observe que a definição de receita de senhoriagem está um pouco escorregadinha. Pelo menos três definições são apresentadas. A ideia de que a receita de senhoriagem cobrisse as despesas do Banco Central é fundamentada em práticas internacionais, vagamente definidas, estimativas preliminares que não foram apresentadas. Mas de qualquer maneira o que nós temos é uma receita do Estado, que é receita de senhoriagem, transferida a uma empresa pública de direito privado, o que é algo complicado. PEC 65/2023 pode prejudicar servidores do BCO tratamento dado aos servidores do Banco Central. Duas opções: permanecer no Banco Central, no novo Banco Central ou ir para a carreira congênere. Essa abordagem suscita dúvidas jurídicas e até constitucionais. Então, além do mais, transfere a supervisão do Banco Central para o Congresso Nacional, pode-se argumentar que isso viola o artigo 60 da Constituição que faz a separação dos poderes. Em suma, senador, se aprovada como está, como Emenda Constitucional, é bem possível que a questão acabe parando no Supremo Tribunal Federal.
Fonte: CONTRAF |
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