A soberania nacional foi o tema da segunda mesa de debates da 21º Conferência Nacional dos Bancários, na tarde deste sábado (3), realizada em São Paulo. Joao Pedro Stédile, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), começou sua participação dando os parabéns aos organizadores da 21º Conferência Nacional dos Bancários pela escolha do tema. “A soberania nacional é um tema que as forças populares ainda não assimilaram a sua importância.”
Já o senador Jaques Wagner (PT/BA) também ressaltou a importância das manifestações populares para o debate sobre a manutenção da soberania nacional. “Não há contradição entre a necessidade de esquentar as ruas e as vilas do campo com a necessidade de dialogar com a política do governo e do Congresso, que é de entrega do patrimônio e subordinação nacional. Elas são complementares. Assim como se não tiver greve, se não tiver luta, não tem mesa de negociação que leve a lugar algum. Se não tiver rua, não tem parlamento que consiga segurar os ataques à soberania nacional. É a rua que vai determinar o rumo”, afirmou Wagner.
De acordo com Stédile, todos os presentes conhecem o significado da expressão soberania nacional. “Mas, a militância em geral não sabe, pois confunde com um certo nacionalismo e pensa que é coisa de direita. A soberania é o direito que a população tem sobre suas riquezas, sobre suas empresas. Soberania nacional significa futuro de um país.”
Stédile acredita que a esquerda está em dívida com o tema por ter alimentado alguns preconceitos ao longo do tempo. “Muitos de nossos movimentos nasceram na classe trabalhadora e acreditaram que os interesses da classe trabalhadora fossem prioritários sobre os da população, quando na verdade é a mesma coisa.”
Outro engano apontado pelo dirigente do MST é o fato de a maioria da esquerda ter sido criada nos conceitos do internacionalismo. “Até porque nunca o Capital foi tão internacional como nos últimos anos. Porém, isso não é contraditório com a necessidade da luta em defesa da Nação.”
O terceiro equívoco é que, durante a ditadura militar, os militares se apresentavam como nacionalistas e isso colocou a militância de esquerda “numa espécie de saia justa”, como se o assunto nacionalismo fosse só dos militares. “Por isso, a esquerda durante um tempo evitava debater este tema”, disse ele. “Outra confusão é porque muitos de nós acreditávamos que a burguesia brasileira era nacionalista, então, o nacionalismo era um tema ‘burguês’.”
Essas compreensões equivocadas atrapalharam o entendimento dos movimentos de esquerda sobre o que é a soberania nacional. “Como nós vamos pedir para a militância assumir causas da soberania nacional, se eles não vão entender o que é a soberania nacional”, questionou Stédile.
Segundo o dirigente, a atual triste realidade brasileira ajuda na compreensão do conceito de soberania nacional, pela contradição que a burguesia e o capitalismo impõem à classe trabalhadora. “Agora, está claro que a burguesia não é nada nacionalista, eles não têm nenhum interesse em defender a Nação. A maioria do Comando das Forças Armadas também abandonou os conceitos de defesa da Nação recentemente.”
De acordo com Stédile, o que também ajuda o povo a entender a importância da soberania é o governo fraudulento que assumiu que, de forma didática, plúbica e sistemática, defende os interesses dos EUA. “A tal ponto que vai mandar um fritador de hamburguer para ser embaixador dos EUA”, exemplificou.
“Há décadas assistimos a desnacionalização com as privatizações iniciadas no governo Collor e intensificadas no governo FHC. Foram interrompidas nos governos Lula e Dilma. Mas, eles retomaram no governo Temer, quando começou a entregar o Pré-sal e depois a Embraer. Agora, Bolsonaro intensificou essa agenda de desnacionalização com muito mais voracidade, com essa sanha de querer se livrar dos bancos públicos, principalmente, da Caixa e do Banco do Brasil. E assim vai continuar com outros ramos, como as hidrelétricas”, lembrou ao citar que está em curso um verdadeiro assalto aos patrimônios nacionais, às empresas nacionais e aos recursos da natureza brasileira.
Jaques Wagner também mostrou preocupação com a dilapidação do Estado que está sendo realizada pelo atual governo. “O (ministro da Economia) Paulo Guedes rouba o que temos de patrimônio e de oportunidade de futuro, enquanto o presidente se diverte no picadeiro. Mesmo que a gente reassuma o governo, teremos que andar muitos anos no deserto. A luta política a gente recoloca no rumo, mas se eles destruírem a base de nossa economia, não conseguiremos reconstruir tão facilmente”
Segundo Wagner, o objetivo de Paulo Guedes é explícito. “Ele não enganou ninguém, assim como o Bolsonaro. Desde o início sabíamos que ele queria privatizar tudo o que fosse possível. Quem votou nele, ou votou por medo do PT, ou concorda com tudo o que eles estão fazendo”.
O senador explicou que a política entreguista e de desregulamentação dos direitos trabalhistas, levam à perda de arrecadação e, consequentemente, da capacidade de execução de políticas governamentais. “Tem uma soberania nacional saindo pelo ralo da desregulamentação trabalhista via aplicativos. A relação capital-trabalho de um motorista da Uber, por exemplo, é zero”.
O dirigente nacional do MST, por sua vez, acredita que a saída para este triste quadro de ofensiva do capital internacional contra o patrimônio e a soberania do povo brasileiro é união. “Nós temos quatro pontos de unidade nas lutas populares: A luta pela educação, que foi a pauta que mais mobilizou gente nos últimos meses; contra a reforma da previdência, na qual não conseguimos explicar os riscos e por isso tivemos uma derrota no congresso; a defesa do Lula Livre e a luta pela soberania nacional.”
Ao encerrar Stédile lamentou, no entanto, que nada foi feito até agora. “Está faltando na esquerda, nas forças populares, a necessidade de colocar na pauta a luta em defesa das empresas estatais, dos bancos públicos, da soberania nacional como vocês fizeram.”
Sistema financeira prejudica soberania nacional
“Hoje temos um sistema planetário financeiro que fragiliza a soberania nacional”. A avaliação é do professor titular de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ladislaw Dowbor. Segundo ele, a concentração de renda e de riqueza no planeta atingiu níveis de “extorsão”.
Para o professor, a hegemonia do capital especulativo no Brasil e no mundo impede o desenvolvimento produtivo, aumentando a desigualdade social. “A evolução do PIB no mundo é algo em torno de 2% a 2,5% ao ano enquanto as aplicações financeiras renderam entre 7% e 9% ao ano. Onde os grandes grupos colocaram seu dinheiro? Colocaram em aplicações financeiras”, explica o professor. Esse sistema, segundo ele, aprofunda a desigualdade social, e gera, no caso do Brasil, concentração de renda nas mãos de apenas 5% dos habitantes.
Com um sistema financeiro, no qual o que prevalece é o rentismo, sobra pouco para investimento em desenvolvimento econômico e social, avalia o professor da PUC. “Do dinheiro que está concentrado em aplicações financeiras, apenas 10% retorna em investimentos. O sistema financeiro atual trava o desenvolvimento econômico do país”, elucidou Ladislaw Labor.
Segundo ele, a transferência de recursos para os bancos e outras organizações financeiras trava a capacidade do Estado expandir políticas sociais e de infraestruturas. Soma-se a esse cenário a evasão para paraísos fiscais como mais um elemento de ameaça a soberania. “No Brasil, dados de 2012 mostram que estão em paraísos fiscais R$ 2 trilhões, ou seja, 1/3 do PIB está lá fora, não investe no país e não paga imposto”, alertou.
Autor de vários livros, entre eles o “A Era do capital improdutivo”, Ladislau Dowbor defende que os recursos apropriados pelo sistema financeiro, que não são produtivos, têm que ser reorientados para o desenvolvimento social e econômico.
Fonte: Contraf-CUT